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Tudo aquilo que sou...
Colocas a chave na fechadura e abres a porta com um movimento preciso.
No móvel da entrada pousas a carteira, as chaves, o telemovel...
A luz trémula da vela na cozinha faz-te adivinhar longa a noite que já começou... o jantar espera por ti, quase pronto.
Caminhas pelo corredor e pousas o casaco na cadeira do quarto onde tambem não estou. E tu sabes, que pelo meu perfume, estou aí algures, esperando. Na sala a lareira acesa faz sombras mágicas nas paredes... a musica toca baixinho, para te dizer que chegaste ao teu lugar...
Puxas a porta da banheira e olhas-me sorrindo.
Eu, quase adormecida esperando por ti, embalada pela musica e pela luz suave olho-te com amor. Agora já não estou só.
- Estavas aí...
- Sim. Vou já sair, vamos jantar.
- Vamos, mas antes deixa-me juntar-me a ti...
Tiras a roupa com ânsia com urgência...com um desespero que te percebo nos gestos... e olhas-me como se visses muito mais que o meu corpo nu, numa água de espuma.
Queres deixar de ser tu, de ser eu...queremos ser a essência, pura do ser, do espirito da alma.
- Já te disse hoje que te amo?
- Não.
- Amo-te. Muito.
No fim da noite ficamos enroscados em silêncio no sofá, escutando coisas que a boca não diz, palavras que ela não sabe pronunciar...
Agora, neste instante, sei que abres a porta, que já não existe o móvel para pousares as tuas coisas, já não há jantar feito por mim com amor, já não há luz, já não há vela... a casa já não tem o meu cheiro... na sala já não há fogo, nem musica, nem sombras...já nada te diz que estás em casa.
O corredor que atravessas de peito pesado e de olhar húmido torna-se longo demais e atiras o teu casaco com pressa como se quizesses libertar-te de uma máscara que carregas todo o dia.
Já não estou na banheira, nem na varanda, nem no sofá... já não habito em lado algum...
já não te espero
A saudade quase que mata, não concordas? O pior é que sei que ainda me amas. Sei porque o sinto.... mas os nossos corações já não falam, os nossos espiritos perderam a voz, o nosso olhar já não se cruza...
Agora o sofá é todo teu e a cama já não é minha, já não durmo nela, já não sou eu. Já não sou eu em nada.
Já não me agarro a ti a cobrir-te de beijos, já não me enrosco no teu peito, já não deslizo com os meus dedos no teu corpo...
Já não sou eu que te deixo bilhetes no frigorifico a dizer-te que ontem foste tudo... a deixar-te um beijo...já não deixo recados.
Nessa casa já não espero por ti... e a solidão destrói-nos...
Choras? Eu sei que sim... sentes falta de tudo quanto fui contigo, de tudo quanto conseguiste ser....
Chora sim... eu tambem já chorei muito.
E nesta cama tão imensa, eu sou tão peqenina!
E sei que algures, ainda murmuras o meu nome, ainda procuras o meu cheiro, noutro cheiro, o meu sorriso noutro sorriso, o meu eu... que não encontras.
O arrependimento é o preço mais alto que alguem pode pagar...
Penso em tanto que nós fomos e no nada que nos tornámos.
Aqui, neste instante, perdida no meio de lençóis tão frios ...
...ou serei eu?
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