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Tudo aquilo que sou...
Fotografia: Alexandre Costa
Daqui a nada o Outono está aí. Daqui a nada volta aquela melancolia dos dias que não são quentes nem frios.
A esta hora em que o sol ainda inunda o quarto de luz alaranjada, numa forma meia triste de dizer até amanhã, em que já vejo estrelas e lua e o céu ainda não é negro... a esta hora que não é dia nem noite, que já não é uma coisa e ainda não é outra, sinto cá dentro, no fundo onde faz eco, que ainda não vivi o Verão.
Como se o estivesse a adiar.
Mas já não quero mais deixar para outro dia qualquer. Adiar para quando? Para quando já não o puder viver?
Falta agarrar estes dias quentes com voracidade.
Falta-me aproveitar todos os entardeceres e todas as noites com garra.
Falta-me uma paixão, quem sabe um grande amor.
Falta-me adormecer com o corpo agarrado e colado a outro corpo. Corpos suados por pingos de mel.
Faltam-me os beijos melados em cada milimetro de pele.
Falta-me caminhar de mão dada, à tardinha, na beira da praia com as ondas a brincarem nos meus pés. Ficar sentada num qualquer banco a ver as gaivotas que voam em rodopio, girando em torno de um barco que entra no porto.
Falta-me um passeio àquela hora em que o sol está quase a nascer, em que a neblina traz consigo o ar misterioso de mulher, de braços dados, no areal da Barra. Ou no paredão que se estende pelo mar.
Faltam-me todos os sorrisos, os risos e as conversas.
Faltam-me os olhares de desejo que me fazem desprender de mim e entregar-me ao prazer.
Faltam-me os abraços apertados.
Faltam-me os beijos salgados.
Falta-me libertar todos os medos, cansar o corpo para dar descanso à alma...
Faltam-me os olhares tímidos e cumplices.
Faltam todos os brindes em noites mornas celebrados no segredo.
As mãos.
Sinto a falta das mãos, agora que anoitece mais cedo e que daqui a nada é Outono outra vez.
Falta-me a entrega, o toque de pólen, o sentir todo o torpor de sentimentos à flor da pele.
Faz-me falta um chegar de mansinho que me arrebate.
Faz-me falta voar na prisão de braços que se enlaçam e entrelaçam em mim, de mãos que me puxam e me querem prender.
Faz-me falta o acordar vagaroso quando mãos inquietas tocam a apele e causam arrepio, que devagar serpenteiam na curva dos rins, nos cabelos, no pescoço. Que descem pelas costas, apertam as nádegas, que sobem pelas coxas procurando o sexo húmido. Mãos que têm na ponta dos dedos o desejo e nas unhas a furia de rasgar a pele (ou a alma?) para um gemer baixinho, para a união dos corpos que se querem de-va-gar ou na violência do tesão urgente, numa pressa de quem não quer acabar.
Corpos que libertam os beijos que tardaram e deixam voar a luxuria reprimida.
Faz-me falta saber que me queres. Mais que isso: faz-me falta olhar-te no fundo dos olhos e deixar que os meus lá mergulhem para te dizer que te quero.
Faz-me falta, sabes? Faz-me falta viver realizando as vontades que carrego em mim para onde quer que vá.
Faz-me falta o carinho e entregar-me aos pensamentos satânicos.
Faz-me falta a ternura e a loucura da paixão.
Faz-me falta...tu.
Tu fazes-me falta. Simplesmente. Sinto-te a falta sem nunca te ter tido presente. É possivel?
Como se tudo o que sinto fosse ausência de ti, uma ausência que antes de o ser era nada. E sinto-te a falta mesmo assim.
Mas daqui a nada, é Outono outra vez e como te disse, antes que termine o Verão, quero viver sem pressa e sem atraso todas as paixões.
Fazes-me falta, sim. Mas eu e tu... não somos as personagens do mesmo filme.
Eu quero uma paixão contigo. Um amor contigo. Fazer amor contigo (ou construi-lo?)...sonhos que deposito em folhas brancas de papel, como se os sonhos fossem os nossos corpos e as folhas de papel, os lençóis.
Mas nem todos os sonhos se podem realizar...
É que daqui a nada termina o Verão, daqui a nada começa o Outono. Verás que a cumplicidade se vai manter até ao dia em que já pouco importa se é Primavera ou Inverno. Verás que o maior que criámos, o nosso maior projecto, não será abalado.
Quero-te mas não te quero mais... consegues entender-me? Não posso e nem devo querer-te. Porque em ti não há lugar para mim e eu fico a esperar de longe, de coração apertadinho num egoísmo de ter os teus olhos dentro dos meus, as tuas mãos misturadas nas minhas, o teu corpo dentro e em torno do meu.
Lembras-te quando te disse que talvez os maiores amores não sejam para viver mas apenas para sentir?
Talvez este quase amor encantado seja assim.
Guarda-me dentro de ti, num cantinho onde a vida não tenha permissão de destruir, para não se desfazerem os laços nem os nós que criámos em torno de nós.
Mas é que daqui a nada é Outono outra vez e o Verão começa a despedir-se... (como eu)
E verás que daqui a nada, se doer, será baixinho.
E se alguem perguntar por mim, diz que não sabes. Ou então que fui aprender a existir sem ti, lambendo as mágoas e voando de asas feridas. Agarrando todas as horas dos dias que faltam antes do Verão terminar.
Ou diz apenas que fui viver...
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