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Tudo aquilo que sou...
Fotografia: Niko Guido
Quando chegam estes dias de Outono, devagarinho, sempre me chega uma saudade. Saudade de ti.
É maior, inevitavel.
Porque as folhas já não são verdes. Amarelecem e caem. A natureza deixa-se morrer para voltar a nascer.
Talvez devesse fazer o mesmo.
Recordo uma estação assim, há anos atrás.
E chegas tu, de mansinho aos meus pensamentos. Como o vento que chega sem me aperceber, quase sem me dar conta, que me arrepia, me toca a pele. E não o vejo.
Tambem não te vejo a ti, mas sinto-te.
Como se nunca tivesses ido embora.
Depois de ti, nada mais ficou igual. Aquela ferida marcada na pele que não cicatriza, como tatugem de alma que o tempo não consegue fazer esquecer, desaparecer.
E ainda bem porque não quero perder nada do que carrego de ti, em mim.
Sempre te sinto aqui. O que me dirias, se ficarias ou não feliz por mim. Se acabei apenas por ser algo que não querias.
E ouço ainda a voz, e vejo ainda o sorriso e ainda tenho na memória as mãos.
Tudo tão real, menos tu.
Ou talvez tu sejas o mais real. Tu que existes cá por dentro, que te mantens de perto, me vês, me deixas cair como quando era criança e ficavas pertinho a saber se me conseguia levantar.
E nos dias maus é como se ainda fosse ao teu colo que procuro um embalo. E se as lágrimas caem, não são vãs nem sequer demais.
És grande. Nunca conseguirei encontrar palavras grandes para poder falar de ti, de alguem como tu.
E eu, nunca serei grande assim. Porque não ficaste até ao fim para eu perceber como transformamos um ódio em compaixão. Porque não ficaste perto para veres todos os caminhos por onde segui erradamente. Mas sempre segui o que por dentro o meu coração gritava. E foi sempre isso que me disseste.
E foi por ti que me transformei no que sou. Porque me ensinaste que a vida é sempre maior.
E de uma maneira ou doutra, nesta falta que te sinto, sei que o maior de ti ficou aqui. Porque não esqueci nada. Porque és a minha maior mágoa e a maior revolta, és a minha melhor memória e o sentimento inviolável.
Ficou aquele espaço vazio. Espaços em branco como aqueles que se colocam entre uma palavra e outra e que não se podem preencher. Aquele que se enche de uma saudade que mói devagar, aquele que ninguem pode ocupar. Aquele lugar onde faltas sempre tu. Aquele lugar sempre tão cheio de ti. Sempre tu. Em tudo o que sou.
Talvez todos me tenham mentido. Porque te sinto tão presente, sempre. Talvez todos me tenham mentido quando há muitos anos me disseram que já não estavas cá. Talvez tenhas apenas abandonado o corpo algures e agora sejas apenas alma. E a tua morte seja apenas uma forma de ficares invisivel aos olhos do mundo.
Mas posso dizer-te, de olhos rasos de água, que te sinto a falta pai.
Se chover na madrugada em que eu procuro o meu caminho
será vaga a nostalgia que outro charco faz viver
a canção lânguida e lenta de quem vai devagarinho
em cada charco uma mágoa que não se pode esquecer
Mafalda Veiga
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