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Tudo aquilo que sou...
Fotografia: Carlos Vieira
Ainda agora, à pouco, enquanto a água misturada com espuma me deslizava no corpo, perguntava-me porque é que, de repente, tudo se torna tão urgente. Porque é que um momento trás atrás de si uma avalanche de sentimentos que não se explicam, que emergem apenas, pensando nós vindos do nada, e nos consomem o corpo, nos corrompem a alma numa furia repentina....
Ainda agora, à poucochinho, enquanto tocava à campainha, me perguntava o que estava a fazer aqui. E respondia-me que vim porque não podia ser doutra maneira. Que vim porque precisava saber. Pagar para ver. Como era estar contigo. Ou estar contigo. Simplesmente.
Ainda agora, à pouco, quando me abriste a porta e me sorriste, não notaste. Talvez não tenhas notado que o meu coração batia acelerado e o sorriso que te retribui continha um nervoso miudinho que não quis que saísse de mim. Quis calá-lo, disfarçá-lo. Algo que arrasto desde o dia que te revi no bar, tanto tempo depois, entre risos de amigos. A surpresa do encontro. E eu sabia...
- Sempre vieste...
- Vim, ganhei coragem e vim.
Falas-me sorrindo enquanto me ajudas a tirar o casaco que pousas nas costas de uma cadeira.
Sorris-me ainda quando me abraças, sorris-me quando me olhas parado numa atitude que me enternece.
Sabias que há homens que nas atitudes mais banais me enternecem?
Ainda agora, à pouco, me mostraste a tua casa como se fosse o teu refugio, o teu castelo. E a sala, iluminada com a lareira acesa era o local perfeito para tudo o que estamos a descobrir em nós.
- Eu sei que tens sempre frio...
(pois sabes, tu sabes tanto de mim!)
Levas-me à varanda, ainda agora, à pouco, e entre gotas de chuva me mostraste todas as luzes da cidade, lá em baixo, no vale, como se tudo isto fosse o teu reino.
Luzes trémulas envoltas numa chuva miudinha que cai sem cessar e que dá, a todo o teu reinado, aquele toque de mistério dos contos de fadas.
Podiam ser os anjos que choram por nós, lá em cima, num céu que se vê negro porque a noite vai alta e onde as estrelas brilham, mesmo sem se verem.
Ainda agora, à pouco, me envolveste os braços com os teus braços e me beijaste. Tão docemente...
Já te disse que gosto de braços e dos braços que se envolvem com outros braços e criam laços e abraços? Os nossos braços...
Ainda à pouco, recordas-te? que estava em silêncio para não esquecer, quando me despias numa melancolia e me dizias que era assim que me querias. Vestida...só para teres o prazer de me despir? É que por vezes as palavras não têm qualquer sentido.
Devagar.... ainda agora, à pouco.
Os corpos numa dança embalados num balanço de compassos acertados.... lançando nas paredes as sombras (nossas). Sombras chinesas dos desejos...
A tua boca que me procurava os seios excitados por entre o colar que ficou no meu pescoço. Uma imagem tão sensual...ver-te numa procura desenfreada entre pele e fios. Mãos mil, todas tuas, que tocam e queimam. Os cabelos que me agarras, o toque no sexo húmido...sorver a vida num trago sôfrego entre saliva, suor, alma, pele... e os corpos de novo nas sombras chinesas, perto da lareira e dentro de fogos maiores, que ardem, que invadem e nos possuem.
Ainda agora, à poucochinho, me foste buscar água e antes de te deitares ao meu lado ficaste aí, parado, observando o meu corpo nu deitado em tapetes e rodeados de sombras. Sempre as sombras...
Vi os teus olhos negros. Vi-me neles. Toda eu, nua, alma, reflectida no teu olhar. Sabes o quão grande isso é? Vermo-nos despidos no olhar de alguem?
Ainda agora, mesmo agora, quando deitaste o teu corpo junto ao meu e me deste um braço como porto para ancorar a minha cabeça...sabes o que senti?
Senti-me feliz. Sim, feliz. Enquanto deslizavas os dedos nas minhas costas, na curava dos rins, devagar, num toque de pólen, tão à flor da pele que arrepiava....feliz.
Enquanto eu brincava no teu peito... feliz.
Mexias-me no cabelo, ainda agora....feliz.
A lenha acrepitar, o bater silencioso do teu coração, a chuva lá fora, a musica a tocar baixinho... "would you save my soul tonight?...would you tremble if i touched your lips?... hold me in your arms tonight. I can be your hero baby...Am i in too deep? have i lost my mind? i don't care...your'e here tonight....I can be your hero...
( não quero que sejas meu herói. Quero-te assim: humano e pouco mais.)...
Apertavas com força a minha mão...e eu a sentir-me feliz.
Ainda agora, à pouco, as tuas palavras chegavam de longe, num eco, falando do tempo em que o meu orgulho não deixou crescer um sentimento.
Num sussurro falas-me ao ouvido:
- Tanto tempo depois...
(tanto tempo depois tu. Eu. Nós.)
Puxas-me para ti num abraço apertadinho...daqueles que apertam o peito, nos dão um nó na garganta e nos fazem voar todas as borboletas no estômago.
Como nós, que talvez já nos tivessemos esquecido que temos asas, e hoje, ainda agora, voámos. Eu não sei até onde nos será permitido voar. Um dia iremos cair...ou talvez hoje, só hoje, tenhamos caído. Já não sei...
Ainda agora me beijaste e me disseste chega-te a mim. (..." e deixa-te estar"...eu que já estou tão perto! Não sentes?)
Mesmo agora, ainda à pouco...
- Fica comigo.
- Não...
- Só esta noite.
- Não posso.
- Não podes ou não queres?
- Não quero.
___________________«silêncio»___________
Agora, neste instante, em que os meus olhos já não me denunciam mesmo no escuro, agora que já não me tocas a pele, já não me procuras com a tua boca, com as tuas mãos, agora que já não me vês nem me ouves, digo-te que não quero.
E nem é que não queira. É por medo...
Medo porque tudo foi perfeito demais. Medo porque há preços que não sei se quero pagar. Medo por ter saciado o desejo e o desejo continua cá, talvez maior. Medo porque há histórias que não têm que ter um fim ou um principio. Ficam apenas suspensas a pairar. Só para serem lembradas.
Medo.
Agora posso dizer-te... que o medo me assombrou. Medo de acreditar.
Medo. E o medo, tu sabes, são amarras.
E agora vem a letra de uma musica à memória.... "que loucura irás dizer quando a mão que te apertar te pedir para ficar?"
Disse apenas que não quero...agora posso dizer todas as palavras que ficaram presas em mim.
Não quero...é que se ficasse, poderia não querer mais vir embora.
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