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Tudo aquilo que sou...
Como não conseguia adormecer, levantei-me e saí.
Quando as imagens que me povoam a mente me massacram, quando são aquelas que eu não quero lembrar, quando ainda dói...o melhor é mesmo andar. Caminhar pelas ruas que conheço de cor, perder-me por ruelas que nunca me levam a lugar algum. Só mesmo para esquecer ou para manter longe de mim memórias custosas de um passado tão recente.
Dispo a camisa de cetim vermelha, visto as calças de ganga, os ténis, camisola preta.
A noite está fria... o céu estrelado.
Sento-me num banco de jardim a pensar porque raio a vida é por vezes tão cruel. Porque raio sinto que tudo à minha volta está tão estagnado.
Os meses vão passando, a vida vai-se vivendo da melhor forma que consigo, que posso e que sei.
Mas falta uma razão. A luta por algo.
Chega-se perto um rapaz que me pede um cigarro. Eu dou-lho. Não me apetece fazer outra coisa que não isso. Costumo vê-lo a vaguear pela cidade. É toxicodependente.
Digo-lhe para se sentar à minha beira. Ele senta-se em silêncio. Num silêncio de quem desconfia. E quando o silêncio começa a pesar pergunta-me:
- Estás triste?
- Estou...
- Porquê?
- Porque, tal como tu, preciso de uma razão. Tal como tu tenho vicios que me custam largar, deixá-los de lado e partir.
- Andas na droga?
- Não.... mas tambem não é preciso....se pensarmos, toda a sociedade é cheia de drogas que tambem não conseguem largar. Coisas sem as quais sabemos que podíamos ser mais felizes e que, mesmo assim, não conseguimos abandonar. A sociedade é dependente.
- É só por isso que te sentes triste?
- Não só mas tambem.... são estes braços que me lembram dos abraços que dei....esta boca que quiz vida duma boca que me roubou vida.... estes olhos que não secam... estes pés que não têm direcção... estas mãos que procuram outras para apertar. Esta alma que precisa de outra para encontrar aquele amor tranquilo que procuro e que preciso. E por vezes, parece-me que tudo já é tarde. Que o hoje já devia ter sido ontem. E condeno-me por ser assim ... por ter necessidade de palavras, pelas palavras em que acredito quando menos devia acreditar. Parece-me tudo tão fácil aqui dentro...mas depois, na vida partilhada tudo fica tão dificil! Vivemos uma vida em esperas....quase todas inuteis, sem sentido, sem razão, sem fim. São desejos, são saudades, são vontades...é pensarmos que somos um quando afinal somos dois...pensar que somos o melhor par quando afinal somos ímpar... E sabes o que te digo? Tenho horas que nem eu me consigo entender...
- És uma gaja fixe.
- Não me chames gaja, não gosto.
- E menina? Pode ser?
- Pode...
- Gosto de te ouvir falar...
- Nem sempre é facil.... no papel os pensamentos e sentimentos explicam-se melhor...falar é sempre mais dificil. Tenho a teoria quase toda... mas na prática, fico longe de atingir as metas. É por isso que perco.
A verdade é que se olha para tras para se poder seguir em frente.... a verdade é que há partes de nós que nos custa largar....porque se mantêm agarradas ao peito e não nos querem largar.... a verdade é que as decisões que tomamos nem sempre nos conduzem a bom porto.... a verdade é que a vida é assim para todos.
Que todos carregam um peso, por vezes assumido, outras dissimulado.
Levanto-me e começo a caminhar para ir, quem sabe, dormir.
Ouço-o:
- Menina?
- Sim?
- Obrigado... por não me condenares.
- De nada.
Chego-me a ele, dou-lhe um beijo no rosto, tiro dois cigarros e dou-lhe os restantes.
Vou para casa.
Tambem eu sou uma drogada....
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