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Tudo aquilo que sou...
Fotografia: Amanda
Saí com um amigo.
Só para beber um café, disse-me ele.
Eu fui...
Precisava ir.
Estou a passar demasiado tempo em casa. O que significa demasiado tempo comigo. O que me leva aos limites de mim, porque sempre vou passando em frente ao espelho onde me vejo de alma nua. E nem sempre é fácil olharmo-nos assim, reflectidos, tudo o que somos cá por dentro, no fundo onde faz eco.
Avaliando caminhos e concluindo que tudo foi necessário. Concluindo que tudo teve como conclusão um "melhor assim". Mesmo que esse melhor assim, só nos tenha feito sofrer. É uma forma de justificarmos a dor. Acreditar que depois da tempestade vem a bonança e que se Deus nos fecha uma porta, com certeza nos abre uma janela. Dizendo que o que tiver que ser, será, para ver se acreditamos no que dizemos. Como que num passe de mágica o destino nos trará o melhor, mesmo que na falta de coragem, se fique estendido no sofá a ver televisão, à espera que ele faça tudo sozinho.
Tudo teorias... Porque as marcas ficam-nos cá, tatuadas na mente, na história, no coração.
Seguimos fingindo...
E estando muito tempo em casa, privo o mundo deste corpinho. E nem sei se algum dia Deus me vai perdoar por isso.
E depois, penso demais, sonho demais, imagino demais, idealizo demais, desejo demais.
Tudo demais.
Só dou por mim a viver de menos.
Uma conversa agradável, daquelas que a meio não sabemos se o outro está a falar precisamente do mesmo que nós. Mas é por isso que fica mais fácil deixar sair o que temos escondido nos recônditos lugares do nosso peito. As torturas, os fantasmas... Supomos que sabemos do que o outro fala sem comentar o que está por trás das palavras, sem sequer se falar em coisas concretas, sem lhes dar nomes. Situações diferentes que provocam os mesmo estados de espirito. E deixamo-nos levar... porque não conhecemos a história, mas o sentimento é-nos familiar. Partilhamos, cada um o que sente, quando tudo o resto é tão diferente... Não se fazem perguntas. Falamos apenas.
Ao sair do bar, ele fez questão de pagar. Eu não gosto muito disso, muito menos quando me dizem que pago na próxima. Como se já estivessem convictos que vai haver uma próxima. Ou me dissessem nas entrelinhas que eu pago mais tarde, com o corpo.
Isso porque não sabem que este corpo aqui é sagrado.
Mas eu precisava trocar dinheiro. Dirigi-me ao balcão e de nota na mão, disse ao empregado:
- Troca-me por favor?
Ele olhou para mim, franziu a testa e respondeu-me seriamente:
- Trocar? Eu não! Não te vejo defeito nenhum, fico contigo mesmo assim!
E sorriu-me...
Eu fico feliz por existirem homens assim. Que me fazem sentir que ainda posso sair de casa para que me aconteçam estas situações que me ficam na memória.
Homens que me surpreendem...
Homens que me fazem querer voltar...
Homens que me deixam sem resposta...
Homens que me dão esperança, que um dia, quem sabe, tenha pertinho de mim alguem assim, que não permita que eu esteja dias a fio deitada no sofá, enrolada em mantas polares, à lareira, lendo um qualquer livro e a vasculhar-me demais... alguem com humor, que me embale em loucuras saudáveis, que me faça sentir amada e desejada, que me deseje às horas mais absurdas do dia. Que tenha coragem, que siga os desejos muito mais que a razão. Sim, quem sabe um dia...
Existem homens assim. Que do nada nos aliviam a alma, nos enternecem o peito...
Mas acima de tudo, homens que me fazem rir, para compensarem de alguma maneira, os outros... os que me fazem chorar.
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