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Tudo aquilo que sou...
Precisei partir em retiro. De quando em vez tenho esta necessidade, sair da vida que conheço, ir para perto e tão longe...esquecer. Fazer os balanços, viver.
Pensei primeiramente num retiro sexual.... passar um final de semana entre lençóis brancos nas descobertas carnais.. Amarrotar uma cama de onde não apetecesse levantar, libertar as almas selvagens que se carregam, adormecer junto, de cabeça a repousar num peito. Sinto falta.
Esquecer que o desejo muitas vezes nos faz dizer não.
Mergulhar em corpos quentes e guardar, depois, um toque aveludado de uns dedos nas minhas costas, sem esquecer nada.
Ser possuida por um tesão louco e quente que viesse da alma. Por uma amor carnal que sobe das entranhas e quase enlouquece.
Mais que dar, darmo-nos.
Esgotar o corpo...
Que encontrasse por entre beijos, suor, sorrisos...um lugar para a paixão.
E que no final, tudo se apagasse como luzes de fim de festa. Ficar apenas como ilusão....umas mãos nas minhas ancas, uns olhos na minha boca...o cheiro impregnado no meu corpo.
Ser apenas dona de uma fantasia.
E depois, partir e esquecer.
Isto foi o que pensei primeiramente....e por isso convidei alguem que num passado fez parte da minha vida. Mas o convite foi recusado.
Bem, tambem só falei no retiro....mas se tivesse falado dos desejos satânicos e a resposta mesmo assim fosse negativa....acho que iria ficar com a auto estima perturbada. Se bem que, para bom entendedor.... se digo a um homem para me acompanhar num retiro....
Adiante, fui sozinha. Como sempre fiz.
Bem recebida como sempre. É a parte boa do turismo rural.
A D. Rosa leva-me para aquele quarto que me encanta.Talvez porque as paredes sejam feitas de pedra e parece-me tudo muito assombrado. Como se por aqui existissem os fantasmas dos quais nos queremos libertar...os meus e os de outros que vêm para este quase deserto para fugir da vida ou para a encontrarem.
Mas esta estadia estava longe de ser como as outras. Na hora do jantar estão à mesa mais 3 pessoas. E aqui, pelo que parece sou a unica que já andou por estas bandas. E tal como eu, todos eles estão aqui sozinhos.
Começa uma conversa amena.... juntamo-nos numa mesa só.... e assim ficamos até altas horas.
Deitei-me a pensar que são engraçadas estas surpresas da vida. Que todos nós temos histórias tão diferentes para estar aqui e as razões são as mesmas.
Ali estamos nós...eu e três homens com idades quase iguais...de sitios diferentes....com vivencias diferentes...à procura do mesmo.
Ao outro dia sou acordada com eles a gritarem o meu nome...levanto-me rabugenta para lhes abrir a porta, com o cabelo em desalinho. Chamam-me para tomar o pequeno almoço. "Vou só tomar um duche...." esquecendo-me que estou com uma camisa de noite provocante demais.
Mesmo não tendo com quem dividir de perto o final de semana, tenho que me mimar.
E eles, sem se fazerem de rogados....pegam em mim e atiram-me à piscina. E a festa começa logo de manhã. Eles mergulham tambem e só se ouve a D.Rosa a gritar: "Aiiiii...não façam isso, a água ainda está muito fria!!"
Saio da água a gozar com eles, com a camisa colada ao corpo.... a dizer-lhes que pelo menos eu, mesmo em água gelada, tenho alguma coisa que fica erecta...
Passa-se o dia entre bicicletas, canoas, gaivotas, mergulhos na barragem, investigação da ilhota que existe lá no meio....
Houve aquela cumplicidade inicial que nos fez sentir a todos à vontade.
E no final do dia dedicamo-nos de novo à conversa, falar de histórias, dos medos, dos desejos, do futuro. Tentar entender.
Perceber que há outros como nós....pessoas que nos falam sem receios, sem ser preciso esconder os sentimentos.
Fizemos uma festa no salão. Éramos os unicos hóspedes, podíamo-nos dar a esse luxo.
Musicas latinas, quentes como a noite....e quase um beijo, quase um chamego, quase uns amassos... Quase.
Mas ver as estrelas foi o melhor....todas elas ali tão perto!
O céu estava pintado de estrelas. Estrelas que apetecia roubar e escondê-loas nos meus olhos ou no meu peito.
Depois das estrelas vieram as cores: os azuis, os rosa e os laranja. E nasceu o sol.
Em nenhum outro lugar este momento é tão mágico.
O que dava para ver este amanhecer com alguem que gostasse verdadeiramente de mim.... Simplesmente. Que tivesse um carinho daqueles que é constantemente abanado pelo mundo e que mesmo assim permanece.
E sei que esse alguem existe, apenas se esconde por trás do medo. Um medo maior que as palavras. E se vive assim...uma vida inteira apenas a recordar.... um toque, um sorriso, uma palavra. Um amor que podia ter sido e não foi...
Eu não quero que o sol me incomode, não quero fechar as portas nem janelas recusando esta luz. Quero mergulhar na vida para encontrar a vida. Ou a mim....
Passamos o dia meio adormecidos, mas talvez com aquela sensação de dever cumprido. Nenhum de nós esperava encontrar aqui pessoas tão diferentes e desconhecidas em busca do mesmo. E todos os planos se alteraram. Para melhor, digo eu.
Quase uma terapia de grupo...Apesar de tudo, este final de semana foi muito melhor que xanax, prozac, serenal, dumirox...
Esquecemos a dor da alma, esquecemos que há amores que nos empurram para as trevas ou para outro amor. Que vivemos não por tristeza de um amor ter acabado...mas porque desejamos amar outra vez.
E mesmo assim sentir que remamos um barco quando remamos a lado nenhum.
Faço a viagem de regresso a casa numa leveza de alma que me faz chorar. Por me sentir feliz. O sol já desaparece lá longe...
Ouço a Mafalda Veiga numa musica que entorpece:
"Procura por mim....
Quando for já logo à noite na praia
com o sol a derreter-se enfim
procura por mim
com o vento por saia
e em lugar do suor o sargaço
Eu estarei quieto e assim sozinho
cheio de duvidas do universo
à tua espera
a desenhar o caminho
para te escrever em verso
no meu regaço...
O abraço..."
E cá dentro, desejava apenas ouvir uma voz que me dissesse:
- Vamos juntos ver o mar....
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